Maria Valéria Rezende, fundadora do Sedup, fala, nesta entrevista especial, sobre sua trajetória de vida, os primeiros passos da educação popular no Brasil, a germinação do Sedup e os movimentos sociais na Paraíba.
Quando e como você iniciou os trabalhos em Educação Popular?
Eu inventei minha profissão, de certa maneira. Educador popular hoje é considerado uma profissão, mas naquele tempo não era. Eu tinha feito uma opção, desde a minha adolescência, de me dedicar ao que se chamava educação de base. No início dos anos 1940 foi criada, junto com a Congregação Mariana Feminina, a pedido do bispo, uma coisa que se chamava Assistência Literal. São coisas ignoradas por todo mundo que pensa que essa coisa de Educação Popular começou depois da ditadura ou com os estudantes, na década de 60, mas não. Os jesuítas evangelizavam a população do litoral de Santos (SP), a maioria de caboclos e guaranis. Mas depois desse período essas comunidades foram deixadas de lado. Então o bispo de Santos, naquela época era Dom Paulo de Tarso Campos, visitou a diocese e ficou espantado com o abandono da população. Então ele pediu às irmãs que orientassem essas pessoas. E algumas começaram meio que por conta própria a romper a clausura e criaram uma espécie de caravana que ia visitando os povoados, parava um tempo lá e fazia um trabalho de alfabetização, principalmente com as moças, ensinando a puericultura, passando por horticultura, noções de primeiros socorros, de organização de comunidade, agricultura, etc. As moças vinham e passavam mais de um ano. Recebiam uma formação avançada, inclusive uma formação para liderança. As irmãs que começaram isso, que se meteram nisso eram formadas em Serviço Social, que era uma coisa ainda muito nova, naquele tempo. Era uma profissão que tava começando no Brasil. As irmãs estavam inventando a forma de fazer. Então elas continuaram com esse trabalho até o final dos anos 60 e quem passava por essas formações voltava para suas comunidades como lideranças e educadores. Eu comecei nas caravanas com treze anos. Aquilo era uma aventura para mim, porque saíamos de uma ilha a outra de canoa, subíamos a Serra do Mar para encontrarmos os povoados mais antigos, como os quilombos.
As caravanas da Assistência Literal continuaram no período militar?
Na década de 60 eu participava dos movimentos estudantis, da criação do Centro Popular de Cultura (CPC). Eu fui presidente nacional da Juventude Estudantil Católica (JEC) feminina e participei do sonho do Plano Nacional de Alfabetização (PNA), que Paulo Freire dirigia, em 62, 63, e depois foi abortada pelo golpe militar, em 64. Eu tava envolvida já desde a adolescência com essa história da educação das massas abandonadas do Brasil. Passei alguns anos trabalhando na periferia de São Paulo, num bairro chamado Jardim Nordeste, já sob a ditadura, que hoje é quase o centro de São Paulo. Trabalhei com um grupo de trabalhadores metalúrgicos, que estavam tentando reconstruir uma oposição metalúrgica, e eles, como muita gente que era da direção do Sindicato, tinham sido presos, tinham se exilado da direção. Nesse grupo havia pessoas do Partido Comunista e da Ação Católica (ACO). E, eles começaram a se organizar já na década de 70 na construção da oposição metalúrgica. E o pessoal dizia: a gente às vezes fica sem saber o que fazer porque nós estávamos acostumados com os intelectuais que liam os livros e explicavam as coisas para gente, mas agora não tem mais ninguém. Então eles me deram essa tarefa: como eles iam para fábrica o dia todo, a minha tarefa era ler. Então eu lia o quê? História do Brasil, Economia, Sociologia, enfim, Política. E aproveitava para fazer resumos, pegava um calhamaço desses e resumia o essencial, fazia uns encontros, depois um seminário. Isso foi entre 69 e 71. Então eu comecei a aprender a também escrever para o trabalhador. No final de 71 a situação começou a encrencar demais, porque alguns deles foram presos. Tinha gente que pertencia a diferentes organizações de resistência clandestina. Como a gente trabalhava todo mundo junto, a minha congregação ficou com medo que eu sofresse alguma retaliação e resolveu me tirar do Brasil. Eu passei um ano na Europa. Nesse período resolvi fazer uma volta pelo mundo. Primeiro eu fiz um trabalho para a congregação que implicava viajar a Europa toda. Depois fui para Argélia, fui para o México e, posteriormente, aos Estados Unidos. Na Califórnia, trabalhei como voluntária no movimento social de lá, e conheci o “César Chavez” que era um líder dos camponeses mexicanos, “chicanos” e mexicanos que vinham trabalhar nas plantações da Califórnia. Nessa época comecei a ministrar cursos sobre o pensamento de Paulo Freire. Começaram então a me chamar para ministrar palestras em universidades. Fiquei por lá até 1973, mais ou menos, até voltar ao Brasil. Como ainda era arriscado voltar a São Paulo, decidi retornar para o Nordeste
Você veio direto para a Paraíba?